quarta-feira, outubro 31, 2007

Sutra


Quem cuida de um gato ama a sua solidão. O felino fica quieto pela casa, com um ruído do osso, um ruído interno do corpo. Enovelado em suas mémorias fundas, tão fundas que requer concentração para subi-las. Flor assustada, jardim móvel. Nem com um nome ele se torna doméstico. Cofindente que censura com compaixão, que compreende com piedade. Não é animal que tosse; no máximo espirra.Seus olhos claros, pirilampos dentro de um pote. A plumagem clara ou escura nasceu como ouvido da noite. Sua superação é a beleza. (...)

o amor esquece de começar - fabrício carpinejar

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aprendi a gostar de gatos com meu pai.

sexta-feira, outubro 26, 2007

Imprevistos

Como uma chuva, daquelas que não bate nas portas do tempo, que chega sem avisar, assim é a conexão entre duas pessoas. Um fio transparente, frágil e intenso que liga dois olhares em meio a pessoas que se procuram numa noite de ruas movimentadas. Assim é o que chamamos de inesquecível. Pequenos minutos de hipnotismo, pequenos instantes com a sensação de que todas as outras horas da vida valem a pena só por este instante.

Para aqueles que temem o sofrer que, certamente, virá após estes dias agradáveis, vos digo: Vai doer, sim. Vai arder, vai sangrar, vai fazer você se arrepender de ter se deixado sentir tudo aquilo antes.

(...)

Virá angústia, virá vazio, virá arrependimento, mas este último é impulsivo, momentâneo e injusto. E bastará ouvir uma memória destes dias passados para suspiros voltem a nascer.

O que chamamos de vida é feito de escolhas, caminhos onde sempre temos que escolher o que seguir, e não se pode escolher os dois, nem se pode não escolher. Escolhas devem ser feitas e enquanto se escolhe algo se abdica de outro algo e assim sucessivamente... Sempre em busca de algo que faça estas escolhas valerem a pena, em busca de algo que as justifique. E ao termino de um encontro tão forte desses, você sairá, dando pequenos passos, cabisbaixo, confuso, sem nem saber para onde vai ao certo, sem saber o que sentir, mas, felizmente e involuntariamente, em busca de outros poucos segundos de intensidade, mais uma vez.

fragmentos de Orestes Lerna


sinto o mesmo em número, gênero e grau.

terça-feira, outubro 23, 2007

calçada

madrugada gélida
sem os braços confortáveis
e as palavras quentes
desse amor semi-presente.

[ o lugar onde nos despedimos
agora é ponto de partida ]

renatamar

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(...) o que não foi dito ali, ainda faz sentido?

sexta-feira, outubro 19, 2007

no meio do curso

momentos construídos. ânimo. cuidados com a pele. calos nos pés. tempo de cordialidades. olhos no céu. páginas de trás pra frente. um lugar pra pousar. outro pra ficar. passa -tempo- traz paz. ansiedade mal digerida - peso a mais. medos confusos. alegrias extremas. sonhos filtrados e filmados. gela de(ira) f(ria) e [v]azia. o mal que faz bem de imediato. o bem que deixa esperar, quase-certo. falta de controle. ninho de ra-to. frear as ações desencadeadas do
d o m i n ó
, cristalizar o céu e beber o mar é como amar a arte, fazer ciência e buscar espiritualidade ?


renat.a.mar

quarta-feira, outubro 10, 2007

sombra

um velho hábito de espiar a rua quando anoitece,
mirar pra dentro das janelas e portas das casas que passam,
esticar ouvidos para conversas descompromissadas.

olhar. ser notado. sair sem ser visto.

.. renatamar

sábado, outubro 06, 2007

maresia

Aquela mulher escolheu o seu caminho:
queria andar sentindo os pés na areia fofa
e a água gelada do mar batendo contra os seus tornozelos.

Encantada com a grandeza do que via, parou.
Inebriada, sentindo o ir e vir do mar, ali ficou.

Começou a afundar, afundar, afundar, afundar...

Quando a areia já contava nos seus joelhos,
ela percebeu que estava fincada no mesmo lugar.
Não conseguiria sair dali.
Foi condenada, por si mesma,
a olhar eternamente a mesma paisagem.

É o que acontece com quem esquece,
no meio do caminho,
o que foi buscar.

cássia pires

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sintonia. só pode ser conspiração dos astros.

sexta-feira, outubro 05, 2007

a dor já é outra. a doçura também.

marize castro

encontra e evita prolongar o olhar naquele por mais de 3 segundos. não finge. evita, para que olhos não façam perguntas desconfiadas ou exclamações pretenciosas. estágios de conversas. intenções - palavras desnecessárias. franqueza proporcional. estado alterado. corpo solícito. roda. fluxo. lábios arqueados por balões de pensamentos. leituras. além dali outras/sem referências. amor a prestação. casa a varejo. saúde de plantão. olhar mira a solidão. corpo produz som na alma. unhas crescem. óvulos se lançam a sorte. hábitos des-regra-dos. animal lunar. ciclo aspirante. etapa adiante. bloco de arte (pós)real.

.renatamar.

quarta-feira, outubro 03, 2007

pequenos gestos

alguns escrevem pela arte, pela linguagem, pela literatura. esses, sim, são os bons. eu só escrevo para fazer afagos. e porque eu tinha de encontrar um jeito de alongar os braços. e estreitar distâncias. encontrar os pássaros: há muitas distâncias em mim (e uma enorme timidez). uns escrevem grandes obras. eu só escrevo bilhetes para escondê-los, com todo cuidado, embaixo das portas.

rita apoena