Pisou no molhado duas vezes antes de ter certeza que ainda não estava sonhando. Depois olhou ao redor do quarto para saber que não dormira em algum bote salva-vidas, destes que os navios levam pendurados a bombordo e estibordo, e que parecem uma ninhada mamando nas tetas da ratazana.
Nas pontas dos pés, foi até o banheiro, ver se não deixara a água da banheira ligada na noite anterior. Mas não lembrava sequer de ter tomado banho antes de dormir, estava muito bêbado naquela noite. Nada vazava.
Já imaginava o pior quando chegou na sala. Tudo alagado, só conseguia olhar para o chão. O tapete já não via mais. A água cobria-lhe metade da perna. Como podia, dentro de um apartamento, tanta água? Abaixou-se quando sentiu um cheiro de maresia. Tocou o dedo. Era salgada...
Desesperado virou a cara e viu. No meio da sala, bem embaixo da lâmpada que pendia de um fio amarelo e outro preto, com o braço apoiado no sofá e outro dentro da água, sustentando o corpo, cuja metade se escondia, submerso na água. Ficou espantado, não pelo inusitado da cena, mas porque aquela mulher deitada no meio de um monte de água salgada que inundava seu apartamentoera a mais linda que já vira. Deve ter ficado parado, olhando para ela por uns dois minutos.
Só tirou os olhos dela quando a água lhe deu um tapa na cara, como para acordá-lo do transe. Havia sido ela, que com um rabo de quase um metro de comprimento, atirou contra ele um jorro de água na cara. Com o braço ainda encostado no sofá, a mulher riu. Levantando ainda mais alto a cauda, que ele viu, espantado, como voltava a bater na água e molhá-lo.
Dessa a vez a água não incomodou tanto quanto da primeira, até porque ele também já ria. E não tinha como não rir.Ria da beleza dela, sua cauda escamada e vermelha, seus cabelos negros, seus olhos azuis; com o sorriso mais lindo do mundo. No mesmo instante ela virou-se e nadou, saindo pela janela, que nessa hora já parecia uma cachoeira em alto mar.
Ele ficou parado, sentado no chão, e apesar de ser impossível que se afogasse, respirava com força, buscando o ar que ela levou quando decidiu fugir. Naquela noite dormiu deitado no sofá.
No dia seguinte acordou, olhou o caos da casa já seca e sentiu o cheiro de coisa velha e suja molhada. Levantou e foi tomar banho, precisava trabalhar. Decidiu deixar a torneira da banheira aberta e flores no sofá. Para o caso dela voltar.
:: Marcel Achilles ::
... um presente dessas conversas que rendem a madrugada.
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