Olharam-se.
Foi um olhar material, como se os raios invisíveis emitidos por cada um se misturassem no ar, fundindo-se, encorpando-se, tornando-se palpáveis. E ao olhar mútuo seguiu-se o sorriso, também de parte a parte.
Começou assim. Estavam ambos num país desconhecido, num universo distante de suas vidas, por motivos diferentes, que não tinham qualquer importância.
O olhar foi mútuo, mas foi ela quem se aproximou. Era talvez mais atirada do que ele. E o olhar e o sorriso se transformaram em palavras. Estavam à porta de um ônibus de excursão, cercado de uma algaravia de diversas línguas, e aquela massa de sons estranhos se fechou em torno deles como se os abraçasse, indulgência plena que lhes era anunciada. Sabiam que aquele era um território neutro, onde tudo poderia acontecer.
Na praça, o cheiro de iguarias exóticas impregnava o ar. Mulheres de turbantes coloridos conversavam num dialeto desconhecido, com estalares de língua que pareciam falar de sabores, gostos. Eles acharam graça naquilo. Só eles, ninguém mais.
Sorriram.
Em torno, as construções tinham em suas paredes o tom ocre do deserto, e as janelas em arco deixavam entrever pedaços de vidas, histórias, na penumbra das casas. A praça fervilhava de gente e, em meio aos temperos e hortaliças, vendiam-se também bugigangas, antiguidades, pratarias, panelas. Aquele universo caótico os convidava. Misturados à multidão, deixaram-se arrastar pela torrente de sons, cores, formas, distanciando-se do grupo.
Tocaram-se.
Suas mãos amoldaram-se uma à outra, dedos, pele, palma que pareciam fundir-se como haviam feito pouco antes seus olhares. Aquelas mãos tinham uma história própria, uma história sábia, antiga, independente deles. Não se largaram mais.
Entrelaçadas, as mãos levaram-nos a passear pela feira, pela praça, pelas ruelas em torno. Entrelaçadas, conduziram-nos de volta ao ônibus, de onde saltariam depois. Naturalmente juntas, levaram-nos através da porta do hotel e escadas acima – para o quarto.
Amaram-se.
Amaram-se sabendo – tinham perfeita consciência disso, o tempo todo – sabendo que seu amor estava circunscrito àquela hora e lugar, que uma vez cessado o momento seria impossível tentar revivê-lo.
Sabiam.
Tentar seria um erro. Fora dali, aquele amor seria uma estrela-do-mar, que brilha como prata contra a areia do fundo, mas que, retirada da água, perde o viço, a cor, o brilho – morre em nossas mãos.
............. Heloísa Seixas
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