"Amorosamente, a saudade se instala no alpendre do tempo, desejosa de novas paixões para mudar o passo das coisas presentes. Na sisudez das horas, já não esconde o cansaço do corpo, a rouquidão do canto e o desassossego da alma. A saudade muda o semblante das estações, instala uma sintaxe de estrelas e expõe seus vincos com a alquimia dos sonhos. A saudade banha-se no rio de todas as infâncias, pula as cercas vivas do pensamento, guarda a limpidez das primeiras águas, roça a linha divisória da melancolia suave e dilacerante, sublima a sombra dos sentimentos patéticos, delineia o sentido primordial das perdas e, no limiar da viagem, dissolve a fragrância errante do necessário amor. É, sempre, a comoção da partida e a celebração da chegada. Transitoriedade e sofrimento nunca faltam no seu alforje. Realidade e fantasia descem a ribanceira de sua gramática existencial. Razão e irrazão palpitam, como súplica, em sua febre de encontro. Liberdade e tirania misturam-se ao script das ausências azulejadas. Ao redor dos dias, a saudade reboca o chão forasteiro de cada reminiscência e acumula as lições do tempo. De quantas saudades é feito o homem? De tantas quanto a vista captura. De tantas quanto o desejo morde. De tantas quanto a dúvida decifra. De tantas quanto o calendário rebenta. De tantas quanto a dor soçobra. De tantas quanto a escrita exibe. De que saudade é mesmo feito o homem? De uma que desponta ao longe e que destranca as portas do destino, lustrando em chiaroscuro a vigorosa substância da memória: a flor que flora no canteiro da lembrança – a poesia."
:: R. Leontino Filho ::
:: R. Leontino Filho ::
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