sexta-feira, junho 30, 2006

Vela do tempo que não se apaga

Quando você me pedir um café
Liquidificarei na xícara, manjares e florais
Mel, abacates e pincéis
Imensos arquipélagos dos nossos quintais

Quando você me pedir um chocolate
Lhe servirei uma porção dos deuses
Ramalhetes de açúcares, de inúmeros anéis
Um sonho cremoso, das milhares de vezes

Quando você me pedir um picolé
Embrulharei o palito com fitas, fotos e festas
Tudo que sua lembrança trouxer e quiser
Como janelas de leitos e bocas abertas

Quando voce me pedir um talher
Arrumarei a casa como uma mariscada
Escolhendo o melhor do melhor da maré
O requinte do turbilhão da idéia pescada

Quando você me pedir um vinho rosé
Misturarei todos os meus sabores, licores, amores
Ao redor de taças e vidraças do escondido chalé
De tantas e sortidas e infinitas cores .

....................... Carlos Gurgel

quinta-feira, junho 29, 2006

Vai trabalhar, criatura..










(...)
Vê se não dorme no ponto
Reúne as economias
Perde os três contos no conto
Da loteria
Passa o domingo no mangue
Segunda-feira vazia
Ganha no banco de sangue
Pra mais um dia

Cuidado com o viaduto
Cuidado com o avião
Não perde mais um minuto
Perde a questão
Tenta pensar no futuro
No escuro tenta pensar
Vai renovar teu seguro
Vai caducar
Vai te entregar
Vai te estragar
Vai trabalhar

:: Chico Buarque ::


terça-feira, junho 27, 2006

Desejo pelo o Estranho

Dois.Noite.Quarto.

Corpos suados exalando cheiro de sexo.

Corpos desnudos, braços enlaçados noutro.

Mãos que passeiam pelo espaço

sentindo a temperatura da pele.

Meios olhares. Meios sorrisos

Respiração desritmada. Sede. Calor: Tesão.

Gosto de homem. Cheiro de mulher.

Vinte dedos que tateiam.

Duas bocas: lábios que beijam, dentes que mordem.

Quatro pernas.

E o encaixe dos quadris provocando

o contato entre os dois mais novos (des)conhecidos.


:: Renata Mar ::

sábado, junho 24, 2006

De quantas saudades é feito o homem?

"Amorosamente, a saudade se instala no alpendre do tempo, desejosa de novas paixões para mudar o passo das coisas presentes. Na sisudez das horas, já não esconde o cansaço do corpo, a rouquidão do canto e o desassossego da alma. A saudade muda o semblante das estações, instala uma sintaxe de estrelas e expõe seus vincos com a alquimia dos sonhos. A saudade banha-se no rio de todas as infâncias, pula as cercas vivas do pensamento, guarda a limpidez das primeiras águas, roça a linha divisória da melancolia suave e dilacerante, sublima a sombra dos sentimentos patéticos, delineia o sentido primordial das perdas e, no limiar da viagem, dissolve a fragrância errante do necessário amor. É, sempre, a comoção da partida e a celebração da chegada. Transitoriedade e sofrimento nunca faltam no seu alforje. Realidade e fantasia descem a ribanceira de sua gramática existencial. Razão e irrazão palpitam, como súplica, em sua febre de encontro. Liberdade e tirania misturam-se ao script das ausências azulejadas. Ao redor dos dias, a saudade reboca o chão forasteiro de cada reminiscência e acumula as lições do tempo. De quantas saudades é feito o homem? De tantas quanto a vista captura. De tantas quanto o desejo morde. De tantas quanto a dúvida decifra. De tantas quanto o calendário rebenta. De tantas quanto a dor soçobra. De tantas quanto a escrita exibe. De que saudade é mesmo feito o homem? De uma que desponta ao longe e que destranca as portas do destino, lustrando em chiaroscuro a vigorosa substância da memória: a flor que flora no canteiro da lembrança – a poesia."

:: R. Leontino Filho ::

quinta-feira, junho 22, 2006

quarta-feira, junho 21, 2006

Serei eu ?

Assim usando
palavras simples
Versos tolos
Serei eu poeta ?

Sem traduzir
o indecifrável
Nem ao menos compor
Sonetos ou sonatas
Será que sou poeta?

Querer transformar
A dor aprisionada em mim
por magia,
fantasia
Faz parte de mim a poeta?

:: Renata Mar ::


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Mas não são dúvidas

que logo te fazem poetisa ?
Não é o jogo ou a rima
A inspiração da alma afina
Para os olhos, sorrisos e para musa
Musa imaginativa,
dotada do eu
Eu poético
Todos que tentam o sente
A força motora da liberdade
Se não é vontade,
pode me dizer então
O que são palavras ?
O que são as suas intenções ?
Se não contentes no seu dote
Percas o seu semblante inocênte
Amando indecentimente
Este prazer
puro dúbio
Chamada poesia

:: Moreno ::


>> Textos trocados na comunidade Teia de Poesia - Orkut (20/02/2005)

terça-feira, junho 20, 2006

Uma semana em SP

Uma semana distante. Uma semana fora do ar. Fora do eixo. Solta sob a cidade mais urbana do país. A cosmopolita. A megalópolis. Uma semana vagando entre trens e metrôs. Mapa na mão. Pés nem sempre colados ao chão. Tênis, meia, casacos.. frio! Fumaça.. de padaria, de ônibus, de neblina.. um céu cinza.. que se confunde com concreto das construções.Trânsito caótico, falta de respeito pelas regras do trânsito. – Ô motoboy maluco, meu!

Sobe escada. Desce passarela. Atravessa túnel. Pra lá e pra cá. Pra cá e pra lá. Última chamada. O terceiro apito. Todo mundo vestido pelo frio. Ou é um chic sobretudo da botique dos shoppings ou um casaco comprado no camelô do centrão ou simplesmente feito pela situação como um velho tapete enrolado no mendigo da esquina. São Paulo dos contrastes! Dos prédios imperiais e dos camelôs incontáveis. Avenida Paulista, coração do centro econômico brasileiro, cercada pela informalidade.

Uma semana de junho. Dois dias no parque. Sete dias nas avenidas e passagens subterrâneas. Uma entre mais de 36 milhões que circulam. Num lugar escolhido entre mais de 645 possibildades. Um olhar a observar telas, esculturas, pixachões, construções e pessoas. Um olhar com sede. Um olhar encandeado e deslumbrado com luzes. Um olhar apaixonado pela arte que brota nos murros das calçada. Um olhar atento aos quadros expostos. Referências, influências de um passado que ainda está sendo contado.

São Paulo, parte da história do Brasil contada pelos estrangeiros. Cidade-berço da urbanização brasileira. Do Povoado São Paulo de Itapetininga à Vila São Vicente, depois o impulso das “bandeiras” e a chegada da corte real à explosão de urbanização na cidade. Jardins, prédios, estações, trens, escolas, viadutos, carros, quartéis, igrejas, cadeias, fábricas, estradas e imigrantes invadiram São Paulo por todos os lados e em todas as direções. Cenário cotidiano.

São Paulo do 2 reias. Das inúmeras baldeações. Do fluxo de carros e pessoas. São Paulo do pão caro.Do chão sujo. Do paracetamol.Do sem- horizonte. Cidade em que os museus falam sobre.. os prédios que contam a história de.. São Paulo cidade de um passado transformado, de um presente excêntrico e um futuro apressado. Sampa da gente. De mil coisa e de coisa nenhuma. Sampa das grandes obras, dos grandes destaques. São Paulo do superlativo.

São Paulo de uma semana. De arte intrínseca. De povo comum e corajoso . De serras, florestas e território tupi-guarani. São Paulo dos contornos urbanos. Dos muros e classes. Cidade dinâmica. Cenário dos grandes espetáculos. Dos desconhecidos. Dos independentes. Da vez. Parada obrigatória. Lugar da miscelânea cultural. Estação de trabalho. São Paulo dura realidade. Um lugar de passagem.Vagão maior da locomotiva do Brasil.

quarta-feira, junho 07, 2006

Pare pra sentir

lembra o tempo
que você sentia
e sentir
era a forma mais sábia
de saber
e você nem sabia?


:: Alice Ruiz ::

Tudo cai

CASAS , CONSTRUÇÕES, TUDO CAI
PONTOS COMERCIAIS, TUDO CAI
PONTOS CARDEAIS, ILUSÃO
ESPAÇO LIMITADO
TODOS OS PRÉDIOS UNIDOS
DISPUTAMDO ALTITUDES
TANTOS PRODUTOS USADOS
E EU AQUI CANSADO E FORA DO AR

E POR UM SEGUNDO...
A VIDA PASSA... CIGARROS FICAM...
VEJO CORPOS NO CHÃO
A VIDA PASSA CIGARROS FICAM...
TODOS COM ARMA NA MÃO...
PORQUE CANTAR? PORQUE CALAR?
SOLTA MINHA MÃO...
ME DEIXA CORRER SEM DIREÇÃO...
SOLTA MINHA MÃO...
ME DEIXA SENTIR QUE RESPIRO...
QUE ESTOU VIVO...

TANTOS PRODUTOS CANSADOS
E EU AQUI USADO... FORA DO AR.........................
:: LETTO ::

segunda-feira, junho 05, 2006

Esperando a Hora



não ouço mais teus gritos
não corro mais atrás de ti
não te abraço
não gozo teu riso
não me espanto

trago em mim esse grito
que não rompe
esse tédio de sala de espera
quieta
onde minha ficha é a última
e talvez não haja tempo para hoje


:: Helena Ortiz ::


Erro de Português

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

:: Oswald de Andrade ::

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Chuva e vento forte revestiram de cinza e vermelho o céu de Natal . Dias de janelas fechadas. De chá quente, pão fesquinho, muita roupa. Dias de livro esquecido na estante, de hora marcada, amigos em casa .. um filme, uma organização (básica!) nos papéis e cds. Dias inteiro na internet. Dias de esquecer do trabalho. Dias de durmir até tarde. Meio dia acordado. Meias brancas. Controle remoto na mão. Música de todas as maneiras. Dia de rabiscos no papel . De sonhos incompletos. Dias de ponta de nariz e escada gelada. Dia de saudade apertada. De poucas palavras. De fumaça. Dois dias sem ver a lua no céu. Dias de chuva e de vento são dias de janelas fechadas pro céu.

domingo, junho 04, 2006

Janelas da alma



Olhar parado
Olhos tristes
Mente silenciosa
Não há o que dizer
- pois não tem a quem contar.
Nem previsão sobre o clima
Nem comentário sobre o horário do ônibus
Nem pressa nem demora.
Nada,
Nada acontece.
- embora isso signifique alguma coisa -
Tudo passa na frente, por trás, dos lados
mas nada permanece
por isso essa vaga lembrança
esses olhos tristes,
o olhar parado.

:: Renata Mar ::

sábado, junho 03, 2006

Releitura

(´)
S o i s

:: Arnaldo Antunes ::
(´)
A m e m
:: Ney Hugo ::

quinta-feira, junho 01, 2006

Dois ou trê almoços, uns silêncios.

:: Caio Fernando Abreu ::

Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.

Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida". De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.

Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.

Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação" na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível". Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece.

De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia.

Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.

Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.

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:: Estou encantada pela sensibilidade deste homem.Procuro seus livros e sugestões de leituras! ::